sábado, 14 de maio de 2011

Entrevista a Eduardo de Sá

Psicólogo clínico, psicanalista e professor no ensino superior, Eduardo Sá destacou-se no acompanhamento de bebés, crianças, adolescentes e famílias. Com inúmeros livros e artigos publicados, mantém consultório em Coimbra e Lisboa. Na sua página na internet, eis a primeira frase oferecida à leitura: “Não é verdade que a infância seja um conto de fadas”.
Eduardo Sá / Foto de Gonçalo Martins/DB
Eduardo Sá / Foto de Gonçalo Martins/DB
Já escreveu que as famílias nos tornam muitas vezes infelizes. Quer explicar?
Ao contrário do que às vezes se dá a entender, a infância dos pais não é, regra geral, feliz, razão pela qual, muitas vezes, quando os pais são pais, e quando são pais uma primeira vez, ainda estão muito atropelados pelas suas experiências de filhos e, portanto, muitos dos seus gestos acabam por estar realmente dependentes dos sucessos e dos insucessos que aconteceram. Por outro lado, as famílias não são sempre o espaço arejado que nós todos desejaríamos. Há muitos constrangimentos, as relações familiares são aquilo que promove mais sofrimento na vida das pessoas e em particular na vida dos pais. E tem depois a situação do casal propriamente dito: em rigor, e com verdade, chegamos facilmente à conclusão que a esmagadora maioria das relações de casal, enfim, digamos que são amizades coloridas, não são relações amorosas. Pais relativamente infelizes em relação à sua vida pessoal, amorosa e familiar são sempre potencialmente piores pais. Muitas vezes, em vez de promoverem a desinibição, a segurança, a presença empática que desejariam ter, promovem pequenos gestos que entroncando uns nos outros tornam as pessoas mais infelizes.
Os pais devem também não ser demasiado exigentes com eles próprios?
A mim preocupa-me, em primeiro lugar, que queiram ser perfeitos. Tentando ser provocatório, deviam estar obrigados a fazer uma asneira de oito em oito horas. Porque tudo fica mais simples na vida deles e dos filhos. Exigência não pressupõe este rigor espartano de quem não pode errar. Cada vez que os pais erram ficam melhores pais. Os erros valem como oportunidades. Agora, às vezes preocupa-me que caiam numa de duas atitudes extremadas: ora estão sempre em cima das crianças ou são muito demissionários.
Por que é que diz que o futuro aceita crianças imperfeitas?
Andamos todos a fazer publicidade enganosa em relação ao nosso desenvolvimento. Esta ideia de que temos que definir competências muito depressa para sermos capazes de muitas coisas é uma ideia absurda que faz com que os pais muitas vezes no jardim de infância já queiram que as crianças consigam ler e escrever, transformando-se em jovens tecnocratas de fraldas. É uma coisa assustadora. Não é por saberem ler e crescer mais depressa que se tornam mais saudáveis e com desenvolvimento mais consistente.
Esta geração está a perder a coragem de educar?
Serei a última pessoa do mundo a recomendar que se eduque a estalo. Agora, os pais bonzinhos, que têm uma profunda dificuldade em definir regras de forma clara e irrefutável, são maus pais, porque negligenciam uma função fundamental dos pais, que é o exercício da autoridade, que resulta da bondade, do sentido de justiça e obviamente da sabedoria.
A pressão no trabalho está a transformar os infantários em depósitos?
Os pais trabalham muitas horas, mas os nossos pais e os avós trabalhavam incomparavelmente mais horas. Acho que os pais às vezes se gerem mal, não definem as suas prioridades. Quando põem a relação amorosa deles em primeiro lugar, os filhos em segundo, a família em terceiro e o trabalho em quinto ou em sexto não é por isso que deixam de ser rigorosos em termos profissionais. Às vezes têm muito mais respeito por compromissos de trabalho do que por outros. E depois a maneira como as empresas pensam o trabalho ainda é digna de algumas coisas muito próprias da revolução industrial. Portugal nisso tem que crescer muito.
As crianças que vivem hoje com horários sobrecarregados, na escola e fora da escola, têm liberdade para crescer?
Por um lado, trabalham demais, passam horas demais na escola. Por outro, acho óptimo que possam circular por vários grupos. Ou seja, uma actividade desportiva é no meu ponto de vista absolutamente insubstituível e uma actividade artística, nomeadamente a música, devia ser incontornável. Com uma vantagem, quando elas circulam por vários grupos abrem sempre uma avenida nova na cabeça. Duas actividades chegam muito bem e não precisa de ser todos os dias porque há uma actividade que ainda faz melhor que é poderem brincar.
Qual é a fronteira entre o comportamento normal e o sinal de que é necessária intervenção profissional?
Tudo o que é compulsivo é doentio. Tão doentios são os meninos que fazem birras por tudo e por nada como aqueles que jamais partiram um prato. Procurar um técnico não é andar à procura de problemas, é muitas vezes procurar alguém que ajude a encontrar nos pais as soluções. Devia ser obrigatório, dos três aos cinco anos, um primeiro olhar para uma criança em termos de saúde mental. De rotina, simplesmente preventivo, para perceber se está bem.
Entrevista de Cláudio Garcia

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